terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Acústica no canto, o poder do trato vocal. Parte 2

Leia a primeira parte deste texto clicando AQUI

Emitimos um som cheio de harmônicos, e por isso minha voz é diferente da do meu vizinho e do meu cachorro e do meu liquidificador. Mas, e daí?


A cavidade oral, com os lábios, dentes, 
palato duro, palato mole e língua
E daí que nós temos algo chamado trato vocal. Aquele “módulo” que fica entre a as pregas vocais e os lábios. Um “tubo” formado pela faringe, boca, etc., e que movimentamos o tempo todo para falar e cantar. É no trato vocal que esses harmônicos são “filtrados”, aumentando o volume de uns, abafando o de outros, causando uma série de resultados acústicos diferentes.

Sustente uma vogal qualquer na mesma nota e mude a posição de cada um dos seus articuladores, e perceba como cada pequeno movimento altera a característica da vogal emitida.

Graças a essas mudanças nos harmônicos, cada posição no trato vocal modifica o tipo de som gerado, altera as vogais, as consoantes e varia também o timbre. Lembra dos textos sobre articulação?  Se não, veja as partes 1, 2 e 3.

É nessa hora no texto que entram os formantes.

Representação dos formantes em uma
análise acústica
Formantes são as ressonâncias. "Hein?"

Com a misteriosa capacidade (sim, estou sendo irônico) que nós temos de moldar o trato vocal através de abertura de boca, posição da língua, altura do palato mole, aproximação ou distanciamento da base da língua e da faringe, etc, criamos diferentes formas que privilegiam alguns harmônicos e abafam outros, essas "frequências preferidas" recebem o nome de formantes na ciência acústica. É aqui que a coisa começa a ficar interessante.

Os formantes 1 e 2 (F1 e F2) são importantíssimos para definir qual vogal estamos emitindo, seja na fala ou no canto. Quando modificamos o trato vocal nós mudamos os formantes, como resultado sonoro aparecem as vogais diferentes. Interessante, não? Os demais formantes vão determinar mais a qualidade de cada som (aqueles termos como: "brilhante", "aberto", "fechado", "claro", "escuro", "pra dentro", "na máscara", etc.)

Perceba que isso não acontece no canto somente, e nem depende de estilo musical, é um fenômeno que simplesmente acontece e foi descrito, tal qual a lei da gravidade. Importante não fazer confusões aqui.

Um ponto interessante diz respeito à clareza dos sons das vogais. Cada vogal é formada em determinados formantes, uns mais graves, outros mais agudos. Se você vai cantar uma nota muito aguda, possivelmente o formante necessário para a formação de uma ou outra vogal tenha ficado para trás (seja mais grave), e, por isso, o som que você tenta fazer nem sempre é inteligível, ou 100% preciso. Tente entender a letra de trechos muito agudos nas músicas, fica bastante complicado.

Um dos outros poderes dos formantes, que por muitas vezes é tratado de maneira quase mística (mas que é bem científico), é o tal do “formante do cantor”. 
Comecei o assunto no primeiro texto falando do solista de ópera que tem que "atravessar" a orquestra, e é assim que ele consegue isso. O “formante do cantor” é um agrupamento dos formantes 3, 4 e 5 (F3, F4 e F5), que gera um pico extraordinário em uma região que o ouvido humano é mais sensível (em torno de 2500 Hz a 3500 Hz, segundo o Dr. Phillippe Dejonckere). Esse pico pode elevar o volume do que é cantado em até 30 dB em casos extremos (Dr. Hubert Noe), e isso, é muito “barulho”. Esse formante do cantor é normalmente feito abaixando a laringe e ampliando a abertura da faringe, mas existem outras estratégias, mas jamais, JAMAIS, fazendo força ou simplesmente "apoiando mais".
A linha pontilhada mostra o som produzido pelo cantor, repare o pico de amplitude que surge próximo aos 2500 Hz, se destacando da linha mais escura, que é a orchestra. Esse é o "formante do cantor". Leia abaixo.
E o "formante do cantor" é algo exclusivo da ópera? Não, esse reforço harmônico ocorre também em gêneros da música popular, mas a intenção aqui é dar mais “brilho na voz” (harmônicos agudos) e não aumentar sua intensidade, já que em música popular nós usamos o microfone par amplificar nossa voz.

Há ainda o “formante do ator” (ou do "falante", ou do "cantor não clássico"), que aumenta o volume, obviamente, dos atores no palco do teatro. E esse não envolve abaixamento laríngeo, o que deixaria o som mais "escuro", e no teatro a clareza do texto é ponto chave. Esse mesmo formante do ator é encontrado em estilos de canto que tentar ser mais próximos da fala, como no Teatro Musical e estilos derivados da música folk.

O formante do cantor é então a única forma de se fazer ouvir através de sons muitos fortes? Segundo Donnald Miller não. Seus exames acústicos em cantores como Luciano Pavarotti e Franco Corelli não encontraram tal ajuste. Coisa de ópera então? Não, Ethel Merman, a síntese do belting, usaria a mesma estratégia dos dois, segundo Miller.

Existe ainda algo chamado “canto harmônico”, ou overtone singing, ou throat singing, que é feito em locais como a Mongólia, Sibéria e Tibet. Nesse estilo, o cantor cria uma frequência fundamental e por manipulação do trato vocal consegue “pinçar” harmônicos isolados e amplifica-los fazendo soar duas notas ao mesmo tempo. Os ouvidos ocidentais, não acostumados, estranham de início e até duvidam, mas sim, um homem é capaz de cantar duas notas ao mesmo tempo. Como? É o poder da acústica e do trato vocal, veja o vídeo. E o mais legal é que é bem simples e qualquer um pode fazer.

Viu só? Você não precisa entender de acústica para falar ou cantar, mas na próxima aula que tiver duvido que pense “Ah, nunca vou usar isso na vida”. Agora, quando seu professor de canto disser que precisa abrir mais a boca, ou menos, posicionar a língua aqui ou ali, etc. você vai entender o que ele quer com isso, mesmo que ele não entenda.

Dê mais atenção para seu trato vocal, ele precisa de agilidade e precisa saber realizar trabalhos complexos. Não adianta querer, pensar ou imaginar apenas, ele precisa de condicionamento físico para entregar o som, e moldar as formas que você desejae que sua voz necessita.

Um comentário:

  1. WAll! Ver o Sami cantando uma nota fixa e fazendo, ao mesmo tempo, uma progressão melódica, foi uma das coisas mais fantásticas que vi esse ano =D. Muito Show o assunto! Obrigado lOl

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